Contos: No templo da Luz e Sombra

Raças e culturas tão diferentes buscando trabalhar em harmonia voltam seus olhares para herois que os liderem. Mas há quem seja capaz de carregar esse fardo?

Este conto não segue estritamente a história (lore) de World of Warcraft. Algumas liberdades criativas foram tomadas, portanto pode haver pequenas diferenças entre esta história e a história oficial do jogo.


priest class hall dec2015 screenshotA vista dos vitrais gigantescos no teto do átrio principal ofuscavam a vista. Era uma vista belíssima – como uma manifestação da própria Luz, em forma de painéis que formavam o domo acima. Belíssima… e ao mesmo tempo intimidadora. O átrio parecia gigantesco, gerando uma sensação de pequenez. Não que ele fosse assim tão grande; Alura já havia estado em lugares muito maiores. A Fortaleza Brado Guerreiro, em Tundra Boreana, por exemplo, é muito maior, tanto em extensão quanto em altura. Além disso, não era mais a primeira vez que Alura entrava no Templo de Eternévoa. Aquele lugar já lhe servia como casa há semanas. Ela já havia passado por aquela entrada e testemunhado aquela vista dúzias de vezes.

Mas ainda assim, cada vez que ela entrava no Templo parecia ser a primeira vez. Não era o tamanho em si que intimidava, mas o que aquele templo significava. O que estar naquele templo significava. Um local que reunia seguidores da Luz e da Sombra, sem distinção. E ali, no meio do templo, olhando para os vitrais enormes no alto do átrio central, era impossível Alura não sentir a presença forte da Luz… que a aquecia por dentro, trazendo uma sensação de segurança… mas ao mesmo tempo, lembrava a jovem taurena o quão grande eram os acontecimentos ao redor dela – o quão grande era aquele lugar, o quão grande era a tarefa que estava diante de todos aqueles sacerdotes, e o quão grande era a guerra por Azeroth. Mais à frente haviam vitrais muito maiores, com vista para a Espiral Etérea, mas Alura pouco olhava para eles; não havia nada lá fora, pelo menos nada que a interessasse. A Espiral Etérea era a dimensão de origem dos horrores que sitiavam seu mundo nesse momento, e além disso não havia nenhum outro fato que tornasse aquele lugar interesse para ela. Mas ela sempre olhava para os vitrais superiores que irradiavam luz. Só a câmara de Sa’ara era mais aconchegante do que aquela vista, logo à entrada do templo.

Alura olhava parada para cima, sem conseguir disfarçar o próprio espanto, estampado em seu rosto; olhava de um vitral para outro, alternadamente sentindo segurança na presença da Luz, e pequenez por estar fazendo parte de tudo aquilo. Olhando o brilho que vinha do átrio à direita, ela se lembrou que ali estava um naaru, um naaru de verdade, esparramando luz por…

– É impressionante, não é? – a voz de Calia Menethil subitamente interrompeu os pensamentos de Altura.

Ela sorriu em resposta, balançando lentamente a cabeça, ainda olhando para cima.

– Todas as vezes em que eu entro novamente neste templo, parece ser a primeira vez – acrescentou Calia, parada a seu lado, também olhando para cima. – E pensar que durante tanto tempo isto foi uma prisão…

As duas ficaram caladas por mais alguns segundos, apenas olhando a luz que vinha de cima. Devagar um acólito se aproximou das duas e pigarreou. Alura e Calia olharam na direção dele. Ele olhou para Alura e, com um gesto de deferência, falou: – senhora, a Alta Sacerdotisa a aguarda.

Tendo dito isto, acenou com a cabeça e deixou as duas. Ambas andaram em direção ao aposento do templo onde Ishanah costumava ficar. Alura notou que alguns dos sacerdotes próximos olhavam as duas caminhando ao passar, mesmo que de relance. A taurena ainda não tinha se acostumado muito com isso. Ela se lembrou do cajado preso às suas costas; ele emitia uma luz doce, muito parecida com a que descia dos vitrais. “Não tem como não olhar para ele”, ela pensou.

A Alta Sacerdotisa aguarda a portadora do artefato – falou Calia, para quebrar o silêncio. Alura quis dizer alguma coisa, mas não falou nada, então o silêncio continuou enquanto as duas andavam.
– Você ainda não se acostumou com isso… não é?
Alura suspirou.
– Eu me tornei sacerdotisa para ajudar os outros… e depois para ajudar na guerra, se preciso fosse. Não para ser conhecida…
– Acredite, eu entendo o que você quer dizer – Alura trocou um olhar com Calia, que sorriu. Elas voltaram a olhar para a frente, pois já estavam chegando. Alura sabia o que Calia queria dizer, mas isso não fazia ela se sentir menos inquieta.

Ambas pararam próximas à entrada da pequena sala onde Ishanah estava; dois sacerdotes mantinham vigia dos dois lados da entrada, um humano e um renegado, ambos com vestes brancas com detalhes dourados. Entoavam bem baixinho cânticos que mal podiam ser ouvidos. Um grupo grande de sacerdotes da sombra estava saindo da sala de Alonsus, mais à frente, nesse momento. Eles passaram próximos a Calia e Alura que acenaram devagar com a cabeça, num gesto de respeito, que foi retribuído pelos outros sacerdotes.

Alura já estava acostumada a trabalhar junto com sacerdotes da sombra, apesar das divergências entre eles; mas tinha alguma coisa sobre este grupo que mantinha sua atenção. Eles passaram sem dizer nada, mas havia um deles – um anão no meio do grupo – que mantinha o olhar dela preso, apesar de ele já estar se distanciando e nenhum deles a ter olhado nos olhos…

Calia cutucou o braço de Alura de leve; a porta da sala de Ishanah estava aberta, e os sacerdotes vigias gesticulavam indicando que podiam entrar.

Vista da parte do templo onde você altera seu artefato, com vitrais ao fundo.

Enquanto isso, em outra parte do templo, um grupo de goblins e gnomos trabalhava. No meio deles havia uma mesa cheia de tomos abertos, pergaminhos desenrolados, e outros papéis espalhados; ao redor, no chão, havam ainda mais tomos empilhados, alguns com várias camadas de poeira por cima. Alguns estavam com livros abertos nas mãos, lendo atentamente mas rápido, como se procurando uma passagem em específico. Alguns estavam de pé e outros sentados em banquinhos. Alguns estavam em forma de sombra. Mas encostado à mesa estava um goblin que escrevia furiosamente, entre olhadas nos tomos abertos e consultas entre os diversos pergaminhos espalhados por sobre a mesa. De vez em quando um dos outros chamava a atenção do goblin que escrevia e lia para ele uma passagem encontrada num dos outros livros. Os demais continuavam lendo em voz baixa para si mesmos, ou discutindo em duplas ou trios sobre alguma passagem de algum texto. Apesar da conhecida rivalidade entre goblins e gnomos, parecia haver pouca ou nenhuma animosidade dentro deste grupo; independente da raça, todos pareciam conversar e pesquisar com o mesmo afinco.

Um anão se aproximou do grupo, carregando uma pilha enorme de livros empoeirados. Enquanto se aproximava, ele observou o grupo frenético. Apesar de eles serem barulhentos – de fato, se não fosse por eles o templo estaria quase que totalmente silencioso – o que chamava a atenção era o goblin que estava sentado, escrevendo. Mais especificamente, o enorme cajado encostado a ele, que lembrava um vitral e pulsava com energia.

– Trouxe mais livros sobre a Cruzada Escarlate. Um deles é muito interessante, sobre os Renegados Escarlates…
– Obrigada, querido, pode colocar os livros ali – respondeu uma goblina, sem tirar os olhos do livro que estava lendo e apontando para o chão próximo à mesa, onde já haviam outras pilhas de livros.
O anão respondeu com uma franzida de sobrancelha. A goblina não viu. Ele simplesmente colocou os livros perto dos demais e se afastou, passando as mãos nos seus robes rubros, para espalhar a poeira que os livros tinham deixado. Alguns dos outros olharam curiosos para os novos livros.

– Ei Lazikk, chegaram mais livros sobre aqueles doidos da Cruzada. Quer que eu dê uma olhada neles? – disse um goblin sentado num banquinho. O goblin que estava sentado escrevendo parou um instante e olhou na direção da pilha; pela expressão em seu rosto e pelo jeito que deixou cair no colo o livro que estava lendo, parecia extremamente entediado, ao ponto em que ler um dos intermináveis livros da biblioteca da Cruzada Escarlate lhe parecia mais interessante do que continuar lendo o que tinha em mãos.

Lazikk fez uma pausa no meio da palavra que estava escrevendo, olhou a pilha nova de livros, voltou a escrever e disse: – é claro Rodny, informações da Cruzada são nossa prioridade. Pra que você acha que eu lhe pago?
Quando ele terminou de dizer essa frase, cada um dos goblins presentes deu uma risadinha de canto de boca. Alguns dos gnomos sacudiram levemente a cabeça de um lado a outro. Rodny murmurou algo como “me paga nada”, colocou seu livro fechado em um canto da mesa, e foi examinar a pilha nova de livros que havia chegado.

Um renegado se aproximou do grupo e parou em frente à mesa, olhando para Lazikk, que continuava escrevendo furiosamente. Suas vestimentas estavam gastas com o tempo, mas ainda assim tinham uma aparência distinta, de um sacerdote que detêm alta autoridade naquele templo. Os demais continuaram o que estavam fazendo, sem dar muita atenção.

O sacerdote renegado ficou alguns momentos olhando Lazikk, como se esperasse uma resposta, e finalmente falou, num tom educado:
– Lazikk, como vai o progresso da pesquisa sobre T’uure?
Lazikk respondeu sem parar de escrever; no meio da frase ele levantou os olhos para seu interlocutor, em sinal de respeito, mas voltou a olhar para o papel logo em seguida.
– Na verdade, nossa prioridade nesse momento é saber mais sobre a Fúria da Luz.
– Eu creio que havia lhe pedido para mudar nosso foco de pesquisa por enquanto, Lazikk – o renegado falou, no mesmo tom educado.

Então Lazikk levantou os olhos de seu trabalho na mesa, virando-se para falar com o sacerdote renegado. Abriu um sorriso ao falar, e abriu os braços mais ainda, embora continuasse com a caneta presa entre os dedos da mão.
– Alonsus, meu chefe, eu sei disso! É claro que vamos desvendar mais sobre as origens de T’uure. Mas eu – digo, nós – descobrimos algumas coisas realmente interessantes sobre os rituais usados pela Cruzada Escarlate, e eu resolvi terminar pelo menos esta parte da pesquisa, antes que as informações se percam. Me entende? – ele terminou a frase num sorriso mais aberto ainda.
Alonsus apenas sorriu calmamente, e falou no mesmo tom educado que sempre falava:
– E eu também creio que havia lhe pedido para não me chamar mais de chefe – e sorriu.
– Ah, me desculpe. É difícil perder certos hábitos. Ainda mais depois de um tempo trabalhando para um certo chefe da Horda… – Alonsus interrompeu o goblin com sua voz ligeiramente grave mas calma.
– Neste momento precisamos saber mais sobre T’uure, Lazikk. A recém-chegada precisa dessas informações para entender e dominar melhor o uso deste artefato. Além do mais, creio que já temos bastante informações sobre seu cajado, para começar. Não acha?
Lazikk apoiou as mãos na mesa e seu sorriso diminuiu um pouco. Alguns dos outros goblins e gnomos ao redor dele pararam suas leituras para observar a conversa.
– Bem, se a prioridade é essa agora, então sim, vamos pesquisar mais sobre T’uure – respondeu Lazikk, apesar de não parecer tão feliz com essa ideia.
– Eu lhe agradeço, Lazikk. Seus esforços são de grande valia para nossa ordem.
– Porém – Lazikk começou a falar – eu tenho pouquíssimo material escrito que possa usar como base de pesquisa sobre esse assunto. Nós conseguimos reunir bastante informação sobre os outros artefatos, até sobre… aquela coisa, que apesar de ser absurdamente antiga, pelo menos possui registros escritos, ainda que dificeis de encontrar.
Quando ele falou “aquela coisa”, alguns dos goblins e gnomos que estavam em forma de sombra pareceram dar mais atenção às palavras de Lazikk. Mas ele continuou falando:
– Mas a maioria das informações que obtive sobre T’uure vieram dos nossos amigos draeneis, e foram relatos verbais. E não sei se você sabe, mas a entropia da informação verbal é muito alta para… – Alonsus interrompeu o goblin novamente.
– Por favor, Lazikk – a voz de Alonsus continuava com o mesmo tom educado. Ele não falava como se fosse um superior ao goblin, apesar de ser tratado com respeito e alta estima até pelos sacerdotes mais experientes, incluindo o próprio Velen. – É exatamente porque temos pouca informação sobre este artefato que precisamos que os esforços e a inteligência conjunta de vocês se concentre mais nele. – Alonsus esticou os braços com as mãos abertas, indicando o grupo inteiro à sua frente, e olhando ao redor, para cada um deles.

Lazikk suspirou. – Tudo bem, Alonsus – ele disse com um sorriso menos aberto do que antes, mas que parecia sincero. – Só que essa pesquisa vai avançar um pouco mais devagar.
– Porque não conversa um pouco com Velen? Tenho certeza de que ele saberá mais do que qualquer um sobre T’uure, além de que suas informações são de primeira mão.
– É… nós já tivemos uma entrevista com o Profeta sobre isso… mas ele sabe muito mais sobre o naaru que gerou o cajado do que sobre o cajado em si. É verdade que ele é uma fonte inestimável de informações, mas… – Lazikk parou de falar porque um gnomo de barbas verdes enormes sentado na lateral da mesa ficou de pé e levantou o braço. – Sim, Dink?
– Na verdade – começou a falar o gnomo, pontuando suas palavras no ar com o dedo indicador, olhando para Alonsus – mesmo sem informações sobre o artefato em si, podemos extrapolar as informações sobre o naaru que o criou para entender melhor sua criação. Isso, assumindo, com um certo grau de certeza, de que o objeto criado pelo naaru guarda um certo vínculo em termos de características com o Naaru que o criou – ele olhou para Lazikk – se é que você me entende.

Lazikk ouviu o gnomo e coçou o queixo, então olhou para a mesa por alguns instantes, e disse:
– Não é uma má ideia – ele olhou ao redor, procurando alguma coisa, ainda coçando o queixo. – aonde ficaram as anotações das conversas com Velen?
– Aqui nesta pilha – um goblin sacerdote da sombra respondeu, pegando uma pilha de papéis manuscritos embaixo de alguns livros e entregando para Lazikk. Este pegou os papéis e folheou-os furiosamente, lendo e relendo com rapidez trechos escritos, indo e voltando por entre os papéis da pilha com os dedos e olhos atentos. – Não é mesmo uma má ideia.
– Sugiro outra conversa com o Profeta. Desta vez, podemos fazer perguntas mais específicas, buscando entender melhor como a natureza de T’uure, o Naaru, pode ter influenciado as características de T’uure, o cajado – falou Dink, ainda pontuando suas palavras no ar com seu indicador.
Lazikk coçou o queixo mais um pouco, enquanto olhava os papéis em suas mãos e pensava. Então olhou para Dink e disse: – é Dink, essa parece ser uma boa abordagem. Escolha um grupo para lhe acompanhar e marque uma entrevista com Velen. Depois, vamos todos bater um papo com a novata… – Lazikk levantou os olhos rapidamente para Alonsus, mas ele não pareceu esboçar reação nenhuma à última palavra de Lazikk – digo, com a portadora de T’uure. Então nós podemos fazer um brainstorm, cruzar informações, e vamos ver o que podemos extrair disso.
– Excelente! – Dink esfregou as mãos com entusiasmo.
Lazikk colocou os papéis na mesa, olhou para Alonsus e falou: – É, meu caro Alonsus, talvez nós tenhamos mais informações sobre esse artefato em breve.
– Muito obrigado, Lazikk. Obrigado a vocês todos. – Alonsus respondeu se curvando lentamente, com sua costumeira voz calma. Quando ele se virou para sair, percebeu pela conversa atrás dele que o frenesi dos gnomos e goblins tinha ficado ainda maior.

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